Ficha de referência cultural
Performance de Maicon Gomes em frente ao busto de Luiz Gama instalado no Largo do Arouche. Fonte: Coletivo Arouchianos
Monumento feito em homenagem ao centenário de nascimento do advogado, escritor e jornalista negro,
Luiz Gama. Consiste em um busto em bronze de Luiz Gama em cima de um pedestal de 1,5 metro de
altura. O busto foi inaugurado em 22 de novembro de 1931, idealizado de forma independente pela
imprensa negra da época, o jornal Progresso. Trata-se do primeiro monumento público paulistano que
homenageia um líder negro. É um marco da luta do movimento negro pela trajetória da histórica de
Luiz Gama, pelos esforços feitos para a criação do monumento em praça pública e por se um simbolo do
abolicionismo no Brasil. Até hoje, o monumento é apropriado pelos movimentos negros em caminhadas,
performances artísticas e reinvidicações por direitos, incluindo a comunidade negra LGBTQIA+. A
estátua de Luiz Gama permanece como instrumento de sociabilidade e memória negra nos encontros que
ocorrem ali.
O monumento localizado na região do Arouche, na República, representa a imagem de uma das
personalidades mais importantes na luta abolicionista paulistana, Luiz Gama. Advogado, escritor e
jornalista, Luiz Gama se consolidou como patrono da abolição brasileira, sendo responsável pela
libertação de centenas de escravizados, inclusive a própria, sem cobrança monetária. Nascido em
Salvador, Bahia, era filho de mãe negra liberta, de nome Luísa Mahim, e um fidalgo português, por
quem fora vendido e levado para o Rio de Janeiro na condição de escravizado. Aprendeu, em meio a
opressão, a ler e escrever, mais tarde conseguindo negociar a própria alforria, como liberto. Já em
São Paulo, estudou direito como autoditata, uma vez que, como um homem negro, no contexto da época,
sua admissão na Faculdade de Direito do Largo São Francisco não foi tolerada, dessa forma sua
permanência era apenas permitida no ato de acompanhar aulas como ouvinte e consultas a biblioteca.
A partir dos estudos, conseguiu autorização para advogar, sendo responsável pela liberdade de várias
pessoas negras escravizadas, denunciando as injustiças do sistema da lei e das autoridades no poder,
como demonstra em carta a Lúcio de Mendonça:
A turbulência consistia em fazer eu parte do Partido Liberal; e, pela imprensa e pelas urnas, pugnar pela vitória de minhas e suas idéias; e promover processos em favor de pessoas livres criminosamente escravizadas; e auxiliar licitamente, na medida de meus esforços, alforrias de escravos, porque detesto o cativeiro e todos os senhores, principalmente os reis. (Ferreira, 2014)
Foi liderança do movimento abolicionista em São Paulo. Seu trabalho no judiciário, sua ação
política, sua rede social de apoiadores em diversos setores, suas obras literárias e sua atividade
na imprensa, contribuíram para consolidar um sólido movimento social durante as décadas de 1870 e
1880. Sua morte em 1882, aos 52 anos, conformou cortejo fúnebre com “mais de três mil pessoas em uma
cidade de 100 mil habitantes”, fato que dá dimensão do papel que Gama empenhou (Stumpf; Vellozo,
2018). Esse cortejo virou um caminhada que tornou-se uma tradição da luta antirracista em São Paulo,
ocorrendo até os dias atuais. Para o escritor Abílio Ferreira: “A caminhada por Luiz Gama se tornou
popular também nos anos 1920 e 1930. Naquela época, havia um movimento liderado pela imprensa negra
pela instalação da herma (busto de concreto) do Largo do Arouche.” (Guimarães, 2021).
A fim de preservar a memória não apenas de um abolicionista, mas de uma representação da história
afrobrasileira de extrema relevância, o busto de Luiz Gama fora planejado como uma honraria a seu
centenário de nascimento, em 21 de junho de 1930. Entretanto, por uma série de complicações, fora
executado apenas um ano depois, sendo designado em jardim do Largo do Arouche, onde hoje permanece.
Foi entre as lutas para erguer o monumento que outra caminhada foi feita da Igreja do Rosário ao
túmulo de Luiz Gama, no cemitério da Consolação.
A idealização da estátua, em 1930, surgiu em meio a uma série de conflitos de interesse que levou
São Paulo a vivenciar duas campanhas com o objetivo de homenagear líderes do movimento
abolicionista. De um lado os estudantes da Faculdade de Direito Largo São Francisco com apelo a
construção de uma estátua que resguardasse a imagem de Rui Barbosa (1849-1923); e de outro, o busto
de Luiz Gama (1830-1882), pensado e defendido até sua execussão sobretudo pelo movimento negro, com
comissão organizadora pelo jornal Progresso, importante instituição para reinvindicação jornalística
e política negra na história da imprensa paulista. O jornal Progresso foi responsável pela
arrecadação de recursos para a construção do monumento, inovando ao tornar o assunto pauta constante
das edições publicadas e ao organizar eventos para arrecadar fundos. Embora tendo apoio do poder
público, a construção do monumento de iniciativa popular, é uma conquista do movimento negro
paulistano. Esse reconhecimento está registrado na face frontal do pedestal do monumento, em um
misto de granito, bronze e betão, feita pelo escultor Yolando Malozzi: Por iniciativa do Progresso,
homenagem dos pretos do Brasil. (Stumpf; Vellozo, 2018).
Atualmente a estátua de Gama continua sendo um importante local para o movimento negro paulistano.
Diversas manifestações culturais e políticas apropriam-se do Largo do Arouche em torno da estátua.
Ou seja, a estátua de Luiz Gama enquanto referência cultural é tanto uma homenagem como uma
afirmação identitária negra, um símbolo que marca o espaço público da cidade. Nesse sentido, os
pesquisadores Lucia K. Stumpf e Júlio Vellozo (2018) ressaltam que:
A "dívida esquecida" pelo Estado e resgatada pelo Progresso atendia a uma demanda de natureza identitária, antes de histórica. Organizada pela imprensa negra paulista, a campanha pela herma de Gama atendeu à necessidade de fazer-se representar não um personagem da abolição, apenas - para isso já havia o busto de João Mendes, inaugurado em 1913, ou a estátua de Rui Barbosa, erigida em 1931. O que se fez por iniciativa do Progresso foi uma "homenagem dos pretos do Brasil" em memória a um "ilustre filho da raça". [...] A gratidão do movimento negro para com Gama tratou de reparar a exclusão dos negros da cenografia urbana de São Paulo.
Entre as ações mediadas pela presença da estátua destacamos Marcha em Homenagem a Luiz Gama, da União dos Coletivos Pan Africanistas (UCPA), a Caminhada Luiz Gama, de organização coletiva, e as ações do Coletivo Arouchianos. As ações do coletivo negro UCPA realizou, em junho de 2022, mês de nascimento do abolicionista, que por meio de canticos, recitação de literatura, batuque, livros, flores e ervas, homenageou a memória de Luiz Gama com ocupação popular e manutenção do monumento. Já a Caminhada Luiz Gama é organizada coletivamente, entre as pessoas que fizeram parte da organização da caminhada de 2021 estão a coordenadora do Slam da Guilhermina Cristina Adelina e o escritor Abílio Ferreira. A caminhada, que estava em sua oitava edição, teve início o trajeto no jazigo de Gama no Cemitério da Consolação, passando pelo Sindicado dos Jornalistas na rua Rego Freitas e sendo encerrada com um sarau no Arouche. As ações planejadas do coletivo Arouchianos também promovem discussões por meio da valorização memorial da figura de Luiz Gama e a preservação do monumento, efetuando sua limpeza. Na 27ª Ação Humanitária LGBT+ Arouchianos Contra a Covid19, em dezembro de 2021, ocorreu o ato-evento a Celebração e a Resistência do Corpo Preto LGBTQIA+ que contou com a performance artística em homenagem a Gama e debates com a participação de Neon Cunha, Carolina Iara, Monteiro Seth e Paula Beatriz com relatos sobre a ocupação história do corpos negros na região do Arouche. Para o Coletivo Arouchianos, o racismo também permeia a comunidade LGBTQIA+, que muitas vezes não reconhece a luta racial como pauta importante para não reprodução de injustiças sociais.
Vidas negras importam! Memórias negras são importantes para a construção antirracista das cidades.
Coletivo Arouchianos
FERREIRA, Ligia Fonseca. Luiz Gama por Luiz Gama: carta a Lúcio de Mendonça. Revista de Literatura Brasileira da USP [n. 8/9], São Paulo, 2014.
GUIMARÃES, Juca. Caminhada e sarau celebram Luiz Gama 139 anos após sua morte. Alma Preta, 24 Agosto 2021. Acesse aqui
STUMPF, Lúcia Klück; VELLOZO, Júlio César de Oliveira. "Um retumbante Orfeu de Carapinha" no centro de São Paulo: a luta pela construção do monumento a Luiz Gama. Estudos Avançados [online]. 2018, v. 32, n. 92 , pp. 167-191. Acesse aqui
UCPA. Seguindo nosso calendário anual no dia 25 de junho de 2022 [...]. São Paulo, SP. 28 jun. 2022. Instagram: @territorioafrikanko. Acesse aqui
OUTRAS REFERÊNCIAS CULTURAIS RELACIONADAS
Aparelha Luzia, Atividades Culturais, Geledés, Largo do Arouche, Sindicato dos Jornalistas